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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Subversylvia Orthof e o lugar onde as coisas devem acontecer.







No finalzinho de setembro, tive a felicidade de participar - com muitos amigos da literatura infantil e juvenil - do seminário promovido pela editora Rovelle, docemente chamado de "A viagem de um barquinho", sobre a vida e a obra de uma das escritoras que mais influencia minha escrita: Sylvia Orthof, que estaria completando oitenta anos se viva estivesse. 

Conheci Sylvia já adulta, já mãe - pelas indicações que meu filho mais velho recebia no programa de leitura da escola. Ri muito com seus livros (um, inesquecível, foi O SAPATO QUE MIAVA) e com alguns, confesso que chorei emocionada (obviamente, SE AS COISAS FOSSEM MÃES - nesse tempo, mãe de primeira viagem, ouvi o texto numa apresentação de dia das mães, debulhada em lágrimas com outras tantas companheiras). 

Durante dias e noites, senti meu coração bater no compasso do THOF-THOF-THOF (expressão cunhada pelo José Luiz Prado, editor da Rovelle, que fez um relato emocionado sobre como foi o processo de encontros e reencontros com Sylvia , até a publicação dos atuais títulos da editora). 

Todos os painéis que assisti foram maravilhosos, sem exceção, mas um me fez refletir especialmente - o do prof. Ricardo Benevides (Subversão e transgressão na escrita de Sylvia Orthof), que cunhou outra expressão precisa: Subversylvia. 

Muitas coisas mudaram da década de 80 e 90 do século passado para este, quando meu filho lia ou ouvia Sylvia Orthof na escola - fato inegável. Mas neste início de século XXI, há algo que está fora de lugar: não há mais lugar para certas coisas, outrora tão aceitáveis, hoje tão "condenáveis". Ricardo falou do engessamento provocado pelo excessivamente rígido "politicamente correto", que não cabia na obra de Sylvia - ela era tão livre nas suas criações e tão pouco "didática"... 

Após essa fala, fiquei pensando em algo que anos atrás ouvira de uma grande amiga psicanalista: seu filhinho de dois anos, convivendo com outros mais velhos nas férias, destrambelhou a falar palavrões sem parar, repetindo o que ouvia sem qualquer noção do que dizia - mas intuindo que aquilo não estava "certo". A mãe - que, evidentemente, não fala palavrões - com toda a tranquilidade que lhe é peculiar, propôs: meu filho, essas palavras você pode falar sim, mas vamos combinar assim: só pode falar no carro, certo? Bastava entrar no carro, começava o festival de *&%#§ e ainda pedia à mãe que repetisse e ela assim fazia. Em poucos dias, a brincadeira perdera toda a graça e a "transgressão", a força. Na época, achei a atitude da minha amiga absolutamente genial e desconfiei que, provavelmente, eu não teria tido sua sabedoria para enfrentar uma situação dessas...

Paremos para pensar: as "subversões" e "transgressões" destes tempos no ambiente escolar se transformam paulatinamente em rajadas furiosas de bullying (com ampla divulgação nas redes sociais, com competições que medem o número de acessos) e perversões de vários tipos e graus, muitas das vezes culminando em agressões físicas ou desfechos irreversíveis. Muitas famílias têm filhos únicos, as crianças não brincam mais na rua, não têm outras crianças para brincar ou adultos confiáveis para imitar, pela necessidade dos adultos da família estarem ausentes em busca dos recursos financeiros para sustentação material da mesma (imitam-se, então, os "adultos" da televisão ou dos vídeogames...). Resultado: energia acumulada e falta de parâmetros claros sobre o que é e o que não é aceitável para conviver com outros seres humanos dentro de uma organização social. 

Pergunto: e se a literatura "subversylvia e transgresylvia" fosse para o ambiente escolar o que o carro foi para o menino de dois anos que queria experimentar o ato de falar palavras chulas, mesmo sem saber o que significavam? E se a arte, mais uma vez, vier nos redimir como o fez em tantas outras épocas da civilização, para nos tirar da barbárie?

Ave alegria, como diria Sylvia. Amor e bom humor espantam qualquer negatividade!








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